30 dezembro 2023

Solenidade do Natal do Senhor - Missa da Noite

 Irmãos e irmãs,

Começo esta homilia com a descrição do grande literata russo, F. Dostoievski. Uma das suas obras, “Noites brancas”, começa assim: “Era uma noite maravilhosa, uma dessas noites que apenas são possíveis quando somos jovens, amigo leitor. O céu estava tão cheio de estrelas, tão luminoso, que quem erguesse os olhos para ele se veria forçado a perguntar a si mesmo: será possível que sob um céu assim possam viver homens irritados e caprichosos?”

Nesta celebração litúrgica entramos no tempo de Deus, o kairós: no Natal, não celebramos o ‘aniversário’ de Jesus, mas o ‘hoje’ da Encarnação... A Liturgia, pois, não é recordação ou repetição do passado, mas sim atualização”.

“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz.” (Is 9,1). Assim inicia a Liturgia da Palavra desta Missa da noite de Natal. O Natal, a solenidade do nascimento de Jesus, o Salvador, é a festa da luz! Ele mesmo, na sua pregação dirá “Eu sou a luz do mundo!” (Jo 8,12). Os enfeites luminosos de Natal que enfeitamos em nossas casas, também são um símbolo dessa identidade de Cristo: a luz veio ao mundo.

Para entendermos a beleza e a grandeza da luz precisamos ver o terror da escuridão. É fato: Só sentimos a importância da lâmpada acesa quando a energia acaba. O profeta diz que essa escuridão é algo trágico: “para os que habitavam na sombra da morte, uma luz resplandeceu.” (Is 9,1). Trevas são morte. Jesus não vem como uma luz de um poste da praça, Ele vem como luz do ser humano. A humanidade sem Deus habita na região da morte! 

A situação que o pecado colocou o homem é de oposição à luz. Na oração do início da Missa rezei dizendo ao Pai do céu: “Ó Deus que fizeste resplandecer esta noite santíssima…” 

Irmãos e Irmãs, esta noite não significa só o céu escuro, mas, de algum modo, nós, humanidade sem comunhão com Deus. O estado da humanidade antes de Cristo era de escuridão e morte, esse também é o estado da alma em pecado. Sem Deus o fim é morte, sem Deus, sem estar em comunhão com sua luz, somos trevas, somos maus e sem rumo, e mesmo que materialmente pareça tudo bem e estável, divertido e cômodo, estamos sem rumo e sem vida verdadeira. 

A falta da consciência do horror que é o pecado e a escuridão interior que é a ausência de Deus, podem fazer com que o homem não valorize a luz. Nossa época é marcada pela falta de senso do pecado. O mal tem sido exaltado, aplaudido e ensinado, as trevas parecem dominar e ganhar espaço, parecem intransponíveis e insuperáveis. Essa versão do homem em sua maldade e orgulho parece ser a vitoriosa e justa.

Meus irmãos e irmãs, se olhamos para as trevas não é para desanimarmos, é para nos maravilharmos com a luz! O povo que andava nas trevas viu uma grande luz! Deus não deixou o homem entregue ao mal. O Evangelho da Missa do dia de Natal, amanhã, diz que “a luz veio para os seus, mas os seus não o acolheram.” (Cf. Jo 1,11). Apesar do poder das trevas e do fechamento dos corações, Deus que não nos trata como exigem nossas faltas, e nos ama, rompe o aparente poder do mal, atravessa a suposta onipotência da sombra da morte e vem nos abrir a possibilidade de ver a luz, de comungar a luz! 

Como é interessante ver na cena do Natal, narrada pelos Evangelhos, que frente aos exércitos de Herodes, às fechaduras esnobes das hospedarias lotadas e às condições desfavoráveis de clima, tempo e espaço, Deus reina, o Príncipe da Paz chega (Cf. Is 9), Ele vem frágil precisando de colo, seus mantos reais são faixas que trouxe a Virgem Maria, sua guarda é São José, sua corte os pobres pastores e os estrangeiros Magos. Deus desce manso, afável, pequeno para convidar-nos a seu amor salvador. Ele vence nossa escuridão e orgulho, nossa ilusão de sermos poderosos e auto suficientes com sua pobreza, humildade e frágil dependência. Ele não quer nos deixar nas sombras da morte. Mesmo que não percebamos a escuridão que nos metemos, Ele nos amou por primeiro (Cf. 1Jo 4,19).

A profecia escutada no início do Advento se cumpriu: Ele rompeu o céu, atravessou nossa escuridão para nos encontrar! Desmanchemos as montanhas, o orgulho, para O acolhermos. 

São Paulo na segunda leitura da Missa desta noite santa parece dar-nos o caminho para acolhermos a luz, diz que Jesus Cristo, “nos ensinou a abandonar a impiedade e as paixões mundanas” (Cf. Tt 2). O abaixamento de Deus, o seu esvaziamento para chegar até nós, para nos comunicar sua luz, é um convite do Rei a sairmos da podridão, do vazio e do escuro para adentrar em sua luz restauradora e impressionante. Deixar a luz entrar é, consequentemente, fazer a escuridão sair. O menino singelo, da manjedoura, ergue os braços para que O acolhamos, “um menino nos foi dado.” (Is 9), nasceu, para nós, um Salvador, como diz o responsório da Missa de amanhã do dia de Natal. 

Abramos nossa alma à luz, não nos acostumemos com as trevas! Deus vem para nos resgatar, não achemos que estamos seguros sem Ele, sem unidade verdadeira com sua doutrina. Entremos em sua luze

Hoje, ao olharmos de modo mais fixo o presépio, que chama a nossa atenção as figuras de Maria e José, eles são modelos de abertura total a Deus. Nossa Senhora e São José mostram sua docilidade sendo entregues à providência, se deixando conduzir, confiando, obedecendo. Fé é obediência! Por estarmos acostumados com as trevas, muitas vezes se abrir à luz parece mais inseguro, menos sensato e garantido, mas se obedecermos ao Rei da manjedoura, sentiremos seu afago e, um dia, envoltos em sua luz, viveremos no Reino eterno onde qualquer sombra da morte já foi superada e a fragilidade foi mudada em onipotência.

Que Nossa Senhora e São José nos ajudem a nos aproximarmos da gruta, e escutarmos acolhendo o convite de Jesus – “vinde, eu sou a luz do mundo.” Amém!


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